Papo sério

Na minha primeira visita ao oncologista, estavámos todos tensos, e eu mais ainda. Não sabia o que me esperava, não sabia o que viria a seguir, se seria ruim, péssimo, se seria muito pior do que eu pensava, para falar a verdade, não tinha a menor noção de absolutamente nada. Sabia apenas que tinha pânico da palavra "quimioterapia", por todos os efeitos que ela trazia.

Na verdade, tenho que dar uma pausa para explicar uma coisa muito pessoal. Eu sou a pessoa que mais tem pavor a enjôo que existe no mundo. Claro que ninguem gosta de passar mal, mas não é isso, eu tenho problema. A ultima vez que vomitei, eu tinha uns 8 anos. Foi na volta de uma viagem de Rio das Ostras. Fomos passar uma temporada, e no ultimo dia resolveram fazer um bobó de camarão para comemorar o fim das ferias maravilhosas que tinhamos passado. (Alias foi mesmo, praia, cocada que a vovó fazia em casa, passeios pela orla a noite, feirinhas e programações na praça...) Eu, sempre com o olho maior que a barriga, comi 3 pratos. À noite, comecei a passar muito mal e assim fiquei por duas semanas. Era uma coisa fora do comum, eu ia infinitas vezes ao banheiro, me acabava, parecia que ia morrer. Injeções de Plasil eram em vão, acabei desidratada e tendo que tomar um soro que tinha um gosto de agua de coco aguada. Lembro da sensação, do mal-estar como se fosse hj. E isso foi ha 20 anos!!!!
Depois disso desenvolvi o tal panico por ficar enjoada. E em qualquer momento que eu pressinta que algo estranho esta acontecendo, ja tomo meu "melhor amigo" plasil, que ja me livrou de vaaaaarias!
Ah! Meu irmão Gustavo tambem tem parte de culpa nisso, pois quando eramos pequenos, ele sempre vomitava em cima de mim nas viagens. EM CIMA. Angra, Caxambú, Pati do Alferes, Itaipava, Petrópolis, Correas, em todas as estradas do estado eu ja levei uma "carimbada". E o pior que parecia que era de proposito, custava virar a cabecinha para o lado????????????


Todos juntos, os de sempre, eu, mamãe, Rodrigo e papai entramos naquela sala com muito medo do que íamos ouvir, mas ja tinhamos desenvolvido uma confiança enorme pelo meu médico e o que ele falasse, nos aceitariamos.
Ele foi direto:
" 4 sessões de quimioterapia, de 21 em 21 dias"
(putz.....não me livrei dela!)
" É um tratamento cansativo, forte, desagradável, mas é o que vai funcionar. Vc é muito jovem, tem muitos anos de vida pela frente e a quimio é o que vai matar as celulas ruins e nos dar mais garantias."
" Depois desse tratamento, vamos seguir com a radioterapia. E para sempre, com os exames preventivos e de checagem."

Nunca vou me esquecer dessas palavras:
" Você NÃO tem mais câncer, nós ja tiramos ele. Você NÃO esta mais doente e precisa entender isso. O que vamos fazer é um tratamento para que isso não volte. E a culpa não é sua. Seu corpo desenvolveu isso, mas nada do que vc fizesse ou deixasse de fazer, iria ter uma diferença nesse momento. Você não tem culpa de isso ter acontecido."

Essas palavras foram essenciais para que eu seguisse adiante em todos os momentos que se seguiram. Falam muito, demais da conta. Sempre tem alguem que vem com aquele papo "ah, mas ela era uma pessoa mt amargurada, ela era muito grossa, ou ate, ele guardava as coisas para si....não é a toa que esta com câncer". COMO SE O FATO DO CARA SER FECHADO OU GROSSO OU QUALQUER COISA TENHA FEITO O CORPO DESENVOLVER UM TUMOR.
Com coisas mais especificas a gente ate acredita, po, o cara fumava e teve câncer de pulmão. Tudo bem, pode ter sido o motivo, mas como se explica um cara que fuma ha 60 anos e nunca teve uma tosse? Ou pessoas extremamente felizes e realizadas que desenvolveram um câncer em qualquer lugar...Ou pior, crianças que nascem ou descobrem ainda pequenas uma coisa dessas?
O fato é, qualquer um pode ter essa doença, e ninguem, nem o doente e nem as pessoas em volta, podem se culpar por isso ter acontecido. Simplesmente era o que tinha que acontecer.

Bom, ai o medico seguiu dizendo, dessa vez, cheio de dedos, coitado:
" Leticia, mas vc deve saber que existirão os efeitos colaterais. Nem todo mundo sente, mas devemos estar prontos para o caso de eles aparecerem. (ja me imaginei enjoada de cara, e pior, não haveria plasil que me salvasse....) Pode existir um enjôo, mas com a química que vc vai usar, ele é de leve à moderado, e mesmo assim podemos controlar com remédios. "

NOSSA! A sala ficou em festa, meu pai me abraçou, minha mãe ja estava rindo, Rodrigo comemorando como se fosse um gol do Flamengo e eu mais feliz ainda, respirando aliviada como se tudo estivesse resolvido. E o médico, com cara de duvida, imaginando que éramos no minimo loucos.
Porque logo a seguir ele veio com a noticia de que perderia cabelo. E a minha frase fez tirar dele um sorriso, um de muitos que ainda teríamos pela frente. " Pode cair cabelo, cílios e sobrancelha, desde que eu não enjoe, esta tudo ótimo e maravilhoso."

No final, a consulta foi otima e sai de la com um pensamento que desde que descobri o tumor, nunca deixei de ser fiel à ele: agradeço todos os dias por tudo isso. Tenho plena consciência de que fui uma "sortuda". Tive sorte em descobrir no começo, tive sorte de poder me tratar com exelentes medicos, sorte de nao ter se espalhado, sorte por ter um tratamento curto, sorte por ter apoio, familia e amigos, sorte por ter a certeza de que isso tudo vai passar e de que minha vida será mais maravilhosa do que antes. As pessoas se transformam num momento como esses. Sofrem, mas aprendem a ser seres melhores, e se preocupam mais com oq fazem ou deixam de fazer....
A verdade é que quando sua vida é posta em xeque, qualquer coisa que vc faça depois disso tem mais valor.

OBRIGADA.